Chico Amaro

Um blog para discutir o ensino superior, a educação em geral, mas também política, cultura, futebol e o que mais aparecer.

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Local: Ribeirão Preto, São Paulo, Brazil

4.9.06

Pedagogia da Picaretagem

Muito se fala da (má) qualidade da educação no Brasil hoje, e não sem razão. Vamos iniciar um debate aqui para analisar as causas desse estado de coisas e o que pode ser feito para mudar, se é que é possível.
Gostaria de começar tratando da formação dos professores nos cursos de Pedagogia. Sem dúvida a exigência de formação de nível superior para professores da educação básica, conforme preconiza a LDB, representa um enorme avanço. Mas será que os cursos de graduação de Pedagogia ou Normal Superior têm preparado de maneira satisfatória os futuros professores? Temo que não. O que se vê, em muitos casos, é formadores seguindo a linha do que chamo de “pedagogia da picaretagem”: uma falta de compromisso com a verdadeira formação substituída pelo esvaziamento, pela futilidade, dinâmicas de todo tipo, transformando a formação de nível superior em um eterno recreio... Professores que gastam o tempo da aula com filminhos, brincadeiras com bixiguinhas, cantigas, discussões as mais variadas sobre a qualidade dos produtos da Natura ou com as estripulias da vilã da novela. Qualquer novela.
Claro que qualquer generalização é sempre injusta, mas minha experiência como docente de cursos superiores de Pedagogia, com algumas exceções, não anima. O que podemos esperar de alunos formados assim? Que professores serão esses? Dá para imaginar a falta de compromisso com a formação das futuras gerações.
Essa postura, de esvaziamento da formação, da futilidade e picaretagem, é na verdade muito estimulada por alguns “intelectuais” que se põem a tagarelar sobre a educação hoje. Basta ver, no Estado de São Paulo, o desastre que foi a gestão do Sr. Gabriel Chalita, sem dúvida um grande representante dessa picaretagem. Para não ser injusto, há que se louvar os vários cursos de formação continuada oferecidos pela secretaria de educação no período, embora alguns deles tenham sido bastante suspeitos. Mas a pauta é essa: uma ênfase nas relações humanas – sem dúvida importantes – mas nenhum compromisso com conteúdos.
Para ilustrar gostaria de citar uma obra muito apreciada pelo ex (graças!) secretário de educação, o livro da Profa. Teresinha Rios Compreender e Ensinar: por uma docência de melhor qualidade. O livro é a publicação da tese de doutorado da professora, defendida na Faculdade de Educação da USP. A professora, baseando-se em seus anos de formação como filósofa e pedagoga, chega à incrível conclusão de que o ensino competente é um ensino de boa qualidade. Brilhante. Depois, gasta alguma tinta discutindo se o termo qualidade deve ser empregado no singular ou no plural. Da mesma forma, ela debate com afinco se devemos nos referir à competência ou competências, sem dúvida uma discussão da maior relevância. Conclui finalmente que a competência é singular, mas possui várias dimensões. Não sei como não pensaram nisso antes!
Mas o melhor (ou pior) ainda está por vir: as tais dimensões da competência de que fala a ilustre filósofa. Segundo ela são quatro as dimensões da competência com as quais se garante a educação de qualidade, quais sejam:
A dimensão técnica: referindo-se ao domínio do instrumental a ser mobilizado no trabalho docente, ou seja, os recursos da didática;
A dimensão estética: o trabalho do professor deve ser também bonito, atendendo a sensibilidade do aluno – professores feios, cuidado, tratem de se cuidar hein;
A dimensão política e ética: referindo-se às relações humanas e a participação ativa do cidadão na sociedade.
Sim, essas são as dimensões da competência segundo a filósofa. Não, não esqueci de nada. Sim, é incrível, mas o professor competente não precisa dominar conteúdos... É sério, basta ler o livro e constatar que o professor de português não precisa conhecer gramática ou literatura; não se faz questão que o matemático disserte sobre álgebra ou geometria; o historiador não precisa conhecer datas (obrigado pela dica Michelle e Janaína)... Finalmente a professora Teresinha Rios termina o livro com algumas platitudes em torno de um tal conceito de felicidadania, seja lá o que isso possa significar em uma tese de doutorado.
Sim, é incrível que alguém possa ter defendido um doutorado na eminente Usp a partir de idéias tão fúteis e sem utilidade. Sim, é inacreditável que essa tal obra seja referência em concursos públicos de professores no estado de São Paulo, embora compreensível dada a amizade entre o dândi Gabriel Chalita e a simpática Teresinha Rios. Mas o mais incrível, o inacreditável é que em vários municípios e em outros estados da nação a obra citada seja também requerida em concursos públicos. Choremos.
São obras como essa, incensadas por “intelectuais” da educação, que legitimam a pedagogia da picaretagem. Não é apenas uma prática de docentes despreparados e mal formados que se prestam a também mal-formar os futuros professores da educação básica; é uma referência, uma “linha teórica” que se concretiza nas salas de aula. Não dá para ter grandes expectativas para a educação com referências como essa.
O que fazer? Ora, exigir. O estudante de graduação que se prepara para ser professor não pode aceitar posturas desse tipo, enganadoras, descompromissadas, não apenas porque isso vai prejudicá-lo no momento de prestar um concurso público ou tentar a carreira acadêmica, mas por um motivo ainda mais legítimo: o professor mal-formado será um professor de má qualidade, parafraseando a professora Rios. Estudante, não aceite a embromação. Exija da instituição em que você está se formando professores preparados para ministrar o curso que você faz. Se não houver jeito, procure outra faculdade – oferta é o que não falta hoje. Mas não se acomode, não se deixe seduzir pela lei do menor esforço, acima de tudo não esqueça da enorme responsabilidade que você terá ao entrar na sala de aula.